Pelo desenvolvimento da empresa afro-brasileira


Embora pareça um contra-senso, a impressão que fica é a de que, no brasil, até o dinheiro tem cor e os negros são menos empreendedores

Jorge Aparecido Monteiro,
mestre em sociologia e consultor de empresas e organizações focadas na comunidade negra, é autor do livro O Empresário Negro

A considerar pelos números apresentados pelos diversos censos demográficos e pesquisas por amostra de domicílios realizadas ao longo do século XX, a chamada “mão invisível do mercado”, os “mecanismos de mercado” não têm sido suficientes para estabelecer proporções mais justas entre o número de empregadores brancos e negros na sociedade brasileira, o que demonstra que também nesta categoria sociocupacional predominam as desigualdades sociais reinantes entre negros e brancos em nosso país.

Embora possa parecer um contra-senso, a impressão que fica é a de que, no Brasil até o dinheiro tem cor e que os negros são menos empreendedores do que outros grupos étnicos que compõem a nacionalidade brasileira. Não devemos nos esquecer que 45,3% da população brasileira, ou seja 72,6 milhões de pessoas, é constituída por negros (pretos e pardos na classificação do IBGE) o que configura o Brasil como possuidor da maior população negra do mundo apenas sendo superado pela Nigéria, maior país africano. Assim sendo, é de se esperar que a iniciativa privada de origem afro-brasileira fosse mais representativa no conjunto do empresariado nacional, não apenas pelo número de pessoas que fazem parte desta comunidade, como pelo peso e importância da cultura negra na formação e desenvolvimento da nacionalidade brasileira. A comunidade negra que sempre foi explorada como consumidora e fornecedora da massa de trabalhadores de baixa qualificação e baixos salários, com pouca visibilidade fora de eventos esportivos de massa e carnavalescos, começa a colocar-se, nas últimas décadas, de forma mais incisiva como capaz também de ser compradora de força de trabalho, de gerir e administrar empreendimentos produtivos próprios, os quais geram empregos para o conjunto da sociedade e de contribuírem para o aumento da renda nacional. A tabela abaixo mostra a situação dos empregadores afro-brasileiros quando comparados aos empregadores brancos. O leitor interessado poderá também acompanhar a imobilidade desses percentuais ao longo do século passado, consultando os diversos censos demográficos.

Nos últimos 16 anos(1), temos procurado, por várias formas, sensibilizar personalidades, militantes e entidades do movimento negro, empresários, profissionais liberais e instituições públicas e privadas, sobre a importância estratégica do empresário negro e das empresas de afro-brasileiros para o desenvolvimento econômico nacional e para a própria comunidade negra como um todo. Esses empresários empreendedores e suas empresas, são estratégicos não apenas no sentido atribuído por Schumpeter (1961), isto é, na promoção do desenvolvimento econômico, responsável por colocar em marcha o motor do capitalismo, e estimuladores das inovações tecnológicas, como também são estratégicos para a geração de novos paradiguimas, novas referências, novos valores para os jovens de uma comunidade tão sofrida, espicaçada e castigada pelo preconceito, racismo e pela discriminação “cordial” dos brasileiros.

Pelé, cujo nome e posição social são muitas vezes usados com segundas intenções por aqueles que querem “provar”a qualquer custo que não existe racismo no Brasil, escreveu no dia 27/11/01, em sua coluna na internet intitulada Fala, Rei!, um artigo chamado O Crioulo Pelé. Diz ele em determinado trecho: “Sempre achei que brasileiro não discrimina pela cor da pele, mas sim pelo tamanho da conta bancária. No entanto, não há como negar que nós, os negros, temos muito menos oportunidades. A situação entristece quando vejo que mulatos e negros mal conseguem chegar à universidade. No mercado de trabalho, também ganham bem menos do que os brancos que exercem a mesma função. Essas estatísticas, que vivem aparecendo na imprensa, confirmam em números aquilo que já se sabe intuitivamente: o negro é discriminado no Brasil”. Falou o Rei.

A celebração do acordo de cooperação técnica e financeira, para a realização de oito turmas do curso à distância intitulado “Aprender a Empreender”, assinado entre o SEBRAE e o COLYMAR – Centro de Empresários Afro–Brasileiros do Rio de Janeiro, no último dia 30/07/02, sem duvida é um marco importante na longa caminhada para dar visibilidade e chamar a atenção das autoridades para a situação em que vive a empresa de afro-brasileiros.

As empresas de afro-brasileiros possuem inúmeros problemas comuns a qualquer outro tipo de empresa: falta de crédito, excesso de burocracia na hora de legalizar, juros elevados, taxas e impostos extorsivos, treinamento e desenvolvimento organizacional, entre outros. Por outro lado, pela própria condição de serem pessoas negras em uma sociedade racista e preconceituosa, os empresários afro-brasileiros que entrevistei revelaram problemas quando na relação com clientes, concorrentes e até fornecedores, ausência de participação em suas entidades representativas tradicionais e falta de assistência empresarial.

Por outro lado, sabemos que essa é uma tarefa gigantesca e complexa, não podendo se limitar a ações isoladas e pontuais, além de envolver o esforço e o engajamento de muitos. É preciso que os poucos, mas representativos, empresários afro-brasileiros abandonem seus casulos e preconceitos, assumam sua condição de afro-brasileiros e se juntem aos demais membros de sua comunidade que buscam estabelecer uma nova e competente concepção de associação de empresas, novos paradigmas de associações entre negros compatíveis com os desafios da globalização colocados para povos, nações e culturas, sem, no entanto, se fecharem em guetos ou se isolarem. Hoje fala-se muito em empresa cidadã, o lado social da empresa. Salvo as honrosas exceções, onde estão as empresas cidadãs afro-brasileiras? É preciso que caminhemos todos juntos, empresários, profissionais liberais, governos municipais, estaduais e federal e instituições congêneres em direção a um amplo e inclusivo movimento social em favor da empresa afro-brasileira, em favor de um Projeto Nacional de Desenvolvimento da Empresa Afro-Brasileira, que inclua um conjunto de ações que afirmem a importância crescente da iniciativa privada afro-brasileira no contexto da economia nacional e internacional, para além da economia de subsistência e ao mesmo tempo articulada e acertando os passos com os movimentos da chamada terceira revolução industrial.

(1).Uma parte dessas tentativas de sensibilização está documentada em: MONTEIRO, Jorge Aparecido. O Empresário Negro – histórias de vida e trajetórias de sucesso em busca da afirmação social. Rio de Janeiro: OR -Produtor Editorial Independente. O leitor também poderá consultar: MONTEIRO,Jorge Aparecido. A questão racial e a administração de recursos humanos nas empresas brasileiras. Revista de Administração de Empresas. S.Paulo FGV, no 1, p.29, jan/mar 1989.

SCHUMPETER, J.A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,1961.

Um pensamento sobre “Pelo desenvolvimento da empresa afro-brasileira

  1. É de grande louvor a ideia da Confraria Afro. Não sou empresário, mas sei da importância do fortalecimento do empresariado afro-brasileiro, como também, o estímulo aos jovens negros e negras para o empreendedorismo.
    O negro brasileiro tem história de luta empreendedora, como podemos observar na criação da Caixa Econômica Federal, cujos primeiros recursos financeiros aplicados, originaram-se do trabalho dos escravos libertos.
    A escritora mineira Ana Maria Gonçalves, em seu livro “Um defeito de cor”, narra a história de Kahinde, uma menina de 8 anos que fora caçada no continente africano, mais precisamente no Benim, antiga região do Daomé e trazida ao Brasil. Após longos anos de trabalho escravo, Kahinde consegue comprar sua alforria, através de seu trabalho empreendedor e em meados dos 1800, funda a primeira cooperativa de crédito formada por africanos no Brasil. Os negros brasileiros têm história empreendedora. É imperativo promovê-la

Deixe um comentário